Reflexões Sobre a Humildade
A humildade tem um impacto enorme sobre nossas vidas. Sempre tive admiração por essa virtude mas nunca pesquisei a respeito, até ter contato com uma palestra de Dr John Dickson (http://www.johndickson.org/) sobre esse tema que assisti em um grande evento de liderança em 2011. Comprei o DVD e devo tê-la assistido seguramente uma dezena de vezes desde então. Em sua bibliografia vi que essa palestra era fruto do seu livro Humilitas e então comprei ele também. Esse assunto voltou à minha cabeça tantas vezes que por fim resolvi tirar umas horas e sistematizar em um texto o que aprendi sobre o tema até então. Eis o que surgiu.
Em uma definição mais formal:
Humildade é a nobre escolha de renunciar sua posição e usar sua influência para o bem alheio e não o seu próprio.
Definida de forma mais simples e direta:
Humildade é usar sua capacidade a serviço do próximo.
Há pelo menos cinco motivos pelos quais devemos cultivar a humildade em nossa vida pessoal e profissional.
1. Humildade é uma questão de bom senso
Nenhum de nós é expert em tudo. Há um grande conjunto de coisas que não conhecemos e não somos capazes de fazer. Esse conjunto é infinitamente maior do que o conjunto de coisas que conhecemos e somos capazes de fazer. Vou resumir essa idéia na seguinte frase:
Aquilo que não dominamos excede em muito aquilo que dominamos.
Quanto mais nos especializamos em algo, mais deixamos para trás outros conhecimentos. Dessa forma fica bastante evidente que não temos como dominar tudo. Preste atenção nessa história não necessariamente verídica:
Viajavam em um pequeno avião um piloto e mais três passageiros: Um professor com título de PhD em ciências, um jovem mochileiro e um senhor de idade. Em um determinado momento ocorreu uma pane no motor que fez a aeronave começar a cair. O piloto então disse:
– Temos um problema grave aqui: o avião está caindo, somos quatro mas só há três pára-quedas a bordo. Eu sou o piloto, então um deles é meu.
E assim ele pegou o primeiro paraquedas e saltou do avião. O professor então disse:
– Eu sou um professor e cientista brilhante, uma das maiores mentes do mundo. Não posso morrer agora. Então ele pegou o segundo paraquedas e pulou. O idoso, olhando para o jovem viajante ao seu lado e disse gentilmente:
– Eu já estou velho, eu não tenho mais muitos anos pela frente, você é jovem e ainda tem muito o que viver. Tome o último paraquedas e salve-se.
O jovem então respondeu com muita tranquilidade:
– Senhor, não se preocupe, está tudo bem. O professor brilhante pulou com minha mochila nas costas.
Essa ilustração nos traz entre uma lição importante. Uma delas é:
Uma grande expertise em uma área de conhecimento conta muito pouco em outras área de conhecimento.
Não adianta nada ter um título de PhD e não saber distinguir uma mochila de um pára-quedas. Ter um grande conhecimento em uma determinada área não te dá autoridade de legislar em outras áreas.
A não observância desse fato pode nos levar à extrapolação da competência. Em outras palavras, ao atuarmos em outra área, podemos achar que as nossas competências “migram” automaticamente, o que não é verdade e pode fazer com que a nossa atuação seja um desastre. As pessoas que estão ao seu redor são as que mais vão sentir os efeitos negativos da extrapolação da nossa competência. Sermos competentes em uma área não nos torna automaticamente competentes em outra área porque aquilo que não dominamos excede em muito aquilo que dominamos.
2. A Humildade é Bela
Somos mais atraídos pelos grandes que são humildes do que pelos que sabem que o são e querem que todos saibam. Veja nesse vídeo o que Tom Hanks faz ao passar por um casal que tirava fotos para o casamento no Central Park em NY:
Talvez, assim como eu, você seja fã dele e o tenha admirado ainda mais ao vê-lo distribuindo toda essa simpatia.
Em oposição a isso, um comportamento presunçoso pode reduzir a grandeza de uma pessoa. Tendemos a não gostar de pessoas arrogantes, por maior celebridade que possam ser. Se você conhece uma pessoa a quem você admira, tende a admirá-la ainda mais ao ouvir uma história sobre ela que demonstre uma atitude humilde, não é verdade?
No final de 2018 eu participei de um grande evento em Florianópolis e um dos palestrantes era um amigo meu de longas datas. Ao saber que ele iria palestrar, falei com ele via WhatsApp e perguntei se poderíamos tomar um café após sua palestra, o que ele prontamente aceitou. Após a sessão precisei aguardar um bom tempo antes de conversarmos pois havia uma fila de pessoas da platéia querendo falar com ele e mais alguns repórteres do lado de fora para entrevistá-lo. Finalmente, saímos ali do auditório e fomos procurar algo para comer. Quem o viu dando palestrando e depois dando entrevistas não o reconheceria ao meu lado sentado no chão ao lado das barquinhas de petiscos comendo comigo churrasquinho de frango. Se alguém, ao passar por ali, o reconhecesse, provavelmente pensaria “Olha, nem parece que é fulano! Tão simples ele, não é?” É isso que mais costumo ouvir numa situação dessas.
3. A humildade é geradora
Uma pessoa orgulhosa que participa de um congresso sairá de lá menos aprendizado do que uma pessoa humilde que entende que tem muito o que aprender e portanto está disposta a absorver o máximo que puder daquele evento. Ou seja, a humildade gera conhecimento.
Pense por um momento em um experimento científico. Um cientista não pode apenas observar o mundo e descrevê-lo. Precisa testar sua teoria, repetir o teste, convidar outros para avaliar seus resultados. Isso, enquanto método científico, é um exercício de humildade e está gerando conhecimento. Além de sujeitar sua pesquisa ao escrutínio, ele está usando sua capacidade a serviço do próximo.
Pense no mundo dos negócios. Quando você é confrontado, questionado, criticado, pode ter basicamente dois padrões de atitude: a) tentar defender sua posição ou b) receber a crítica, e usá-la a seu favor para melhorar seus pontos fracos.
Um estudo de J. P. Kotter com 115 alunos da Harvard Business School mostrou que o aluno que mais se destacou no mundo dos negócios tinha uma atitude notadamente humilde ao ser confrontado. Diz Kotter:
“Confrontando seus erros, Marcel minimizou as atitudes arrogantes que freqüentemente seguem o sucesso e com uma visão relativamente humilde de si mesmo, acompanhou mais de perto e ouviu mais atentamente do que a maioria dos outros”
(J. P. Kotter, Leading Change, Harvard Business School Press, 1996, p.180)
Às vezes, no ambiente de trabalho, quando você está para baixo, é que você faz uma profunda avaliação da sua vida e desempenho profissional e então toma decisões importantes que impulsionam uma guinada na sua vida. Isso já me ocorreu diversas vezes. Mesmo quando você recebe uma crítica infundada, tem a oportunidade de detectar ali, no mínimo, um problema de comunicação a atuar sobre ele. Por outro lado, se recebe uma boa crítica construtiva, terá ganhado um presente, uma oportunidade de aprender em um instante o que talvez levasse meses para aprender de outra forma.
Em resumo, a humildade é um caminho excelente para o crescimento.
4. A humildade é Persuasiva
Em sua obra chamada Retórica, de aproximadamente 2000 anos atrás, Aristoteles, discorrendo sobre o que persuade e não persuade, foca basicamente em três pontos. Diz que em um argumento deve ter três componentes básicos: “logos”, que é o componente intelectual, “pathos”, que é o componente estético ou emocional de um argumento, e “ethos”, que é o caráter do persuador. Aristoteles diz, entretanto, que “ethos”, o caráter do persuasor, é o componente mais importante da persuasão.
“Nós acreditamos em pessoas de bom coração muito mais e mais facilmente do que em outras pessoas em todos os assuntos e confiamos completamente nos casos onde não há conhecimento exato e espaço para dúvida. O caráter “ethos”, pode-se assim dizer, é o fator controlador na persuasão.”
(Aristóteles, Retórica, 1.2.4)
Para ilustrar com um exemplo pessoal, posso dizer o quanto isso me afeta quando estou, por exemplo, lendo um livro. Quando o assunto é tecnologia, raramente conheço algo a respeito do caráter do autor. Antes da leitura, busco referências a respeito dele, outros livros que ele escreveu e, obviamente, seu currículo, buscando saber a autoridade que ele tem no assunto em questão. No entanto, quando o assunto é mais pessoal, costumo conhecer o autor com mais profundidade. É aí que a coisa muda. Preciso dizer como os textos de C. S. Lewis passaram a me tocar muito mais quando conheci a história dele. Me compadeci com suas dores, especialmente quando perdeu sua esposa para o câncer. Sua humildade em compartilhar com o mundo seu sofrimento em seu livro Anatomia de uma dor foi especialmente tocante. Passei então a ter a tendência de confiar e concordar com cada palavra que ele escrevia, mesmo que racionalmente não fosse assim. Essa é a minha experiência pessoal sobre o impacto componente “ethos” exerce sobre mim.
A pessoa mais confiável do mundo é a aquela que você sabe que tem a melhor motivação em seu coração.
5. A Humildade é Inspiradora
Em seu livro Empresas Feitas para Vencer, Jim Collins demonstrou por meio de várias evidências que alguns dos melhores líderes dos Estados Unidos são pessoas que combinam garra profissional e humildade pessoal. Mas como a humildade pode inspirar os outros? Pense agora em uma pessoa que você considera um grande astro do esporte ou da música. Se ele se mostra indiferente e inalcançável você até o admira mas não o imita porque não crê que possa ser como ele. Mas se ele se mostra disponível, é centrado em pessoas e é humilde, você cria uma conexão com ele. Pessoas assim, nós não só admiramos como também queremos ser como eles (em um ou mais aspectos). Sentimos que podemos o mesmo sucesso, trilhar a mesma carreira e um dia, ser como eles. Eles nos influenciam e nos inspiram porque a humildade é inspiradora.
Há basicamente quatro ferramentas (ou características, habilidades, pode chamar como preferir) da liderança:
- Habilidade
- Autoridade
- Caráter
- Persuasão
A habilidade é o dom natural ou desenvolvido que o líder tem que o conduz à liderança. A autoridade é poder concedido a ele naquela estrutura/organização. O caráter é seu estilo de vida que atrai ou repele e a persuasão é capacidade de fazer com que as pessoas creiam nele e no que ele está conduzindo. O que é interessante aqui é que alguns dos líderes mais inspiradores da história não possuíam qualquer poder ou autoridade formal. Eles tinham muita habilidade, caráter e persuasão mas pouca ou nenhuma autoridade. Mas quando as pessoas os viam e ouviam, acreditavam neles e os seguiam. Pense em Jesus, Martin Luther King, Gandhi ou algum grande líder ainda mais recente. Não precisamos de poder e autoridade para influenciar pessoas e mudar realidades. Não precisamos de permissão para engajar pessoas.
Não existem pré-requisitos para sermos humildes e influenciar pessoas através nosso exemplo pessoal.
Conclusão
Vou concluir com uma pequena história que se passou comigo e que resume o que compartilhei até aqui. Há pouco tempo eu estava pesquisando algo a respeito de uma peça para piano e orquestra que gosto muito chamado Concerto para Piano Nº 3 de Rachmaninoff. Considero uma das mais belas e difíceis peças que já ouvi. Para quem não a conhece, vale a pena assistir ao filme Shine (Brilhante), de 1996, estrelado por Geoffrey Rush. Fiquei pensando se era, sob vários aspectos, possível que eu sonhasse um dia em tocá-la ao piano. Então, navegando pela internet, vi uns vídeos de um grande pianista tocando e explicando em detalhes várias peças para piano (não a minha Rach 3). Ele ganhou minha admiração tanto pela perfeição com que tocava o piano como pela desenvoltura com que falava ao seu público, de forma clara, concisa mas sensível e educada. Um dia resolvi escrever para ele. Qual não foi minha surpresa quando ele me respondeu abordando de forma criteriosa e cuidadosa meu questionamento. Naquele instante minha admiração por aquele pianista cresceu sobremaneira. A forma como ele abordou minha inquietante pergunta me fez sentir que sim, eu posso chegar lá. Em algum aspecto quero imitá-lo porque a humildade é inspiradora. Eu continuaria a admirá-lo da mesma forma enquanto grande pianista no entanto o seu gesto nunca será esquecido.
Resumindo,
A humildade é senso comum. Mesmo considerando apenas a área da música, aquilo que não domino excede em muito aquilo que domino. O que preciso aprender excede em muito aquilo que sei.
A humildade é bela. Minha admiração por esse pianista se tornou maior quando ele dedicou um pouco de tempo para responder cuidadosamente meu e-mail. Me senti mais próximo. Achei que posso tocar como ele um dia.
A humildade é geradora. Sei que não toco bem como poderia. Sei que tenho muito o que aprender. Toda vez que recebo uma crítica, embora nem sempre seja um exercício fácil, posso usá-la para aprimorar minhas habilidades, melhorar o que não está bom. E isso me torna ainda melhor.
A humildade é persuasiva. Quando assisto aos vídeos desse pianista, e percebo que ele não precisa explicar nada para ninguém porque já é bem sucedido em sua carreira mas ainda assim gasta horas gravando vídeos gratuitos e publicando-os na internet, isso me desperta a vontade de assisti-los e com isso aprendo mais e tenho vontade de ser melhor.
A humildade é inspiradora. Acredito no pianista porque, após assistir vários vídeos dele e ler o e-mail que ele respondeu, julgo que ele é bem-intencionado e isso me faz dar mais crédito ao que ele ensina, naturalmente.
Concluo aqui repetindo uma frase na qual acredito piamente e tenho como premissa básica para minha vida.
Não existem pré-requisitos para sermos humildes e influenciar pessoas através nosso exemplo pessoal.